Oceanógrafo do Instituto Hidrográfico de Portugal
Quando os Europeus pisaram pela primeira vez as ilhas do Havai, na expedição comandada por James Cook, em 1778, viram que os habitantes locais praticavam uma diversão estranha e perigosa.
Foi esta a perceção de James King, que assumiu o comando da expedição após a morte do famoso capitão, tendo feito, no seu diário de bordo, a primeira descrição deste desporto: “Um dos seus divertimentos mais comuns é feito dentro de água, durante a maré cheia, quando as ondas rebentam na costa. Os homens entre os 20 e os 30 anos dirigem-se mar adentro, a galgar as ondas; deitam-se sobre uma prancha ovalada, mais ou menos da sua altura e largura, mantêm as pernas juntas, ao alto, e usam os braços para orientar a prancha. Esperam algum tempo até chegarem as ondas maiores e então, todos ao mesmo tempo, remam com os braços, para se manterem em cima da onda, que os impulsiona a uma velocidade impressionante; a arte está em guiar a prancha de forma a manterem-se na direção apropriada, no topo da onda, à medida que esta vai mudando de direção.
“À primeira vista, parece um divertimento muito perigoso. Pensei que alguns acabariam por ir embater nas rochas aguçadas, mas, mesmo antes de alcançarem a costa, caso estejam demasiado perto, saltam da tábua e mergulham por baixo da onda, até esta rebentar. Este divertimento é um mero entretenimento, e não tem que ver com provas de destreza. Com boas ondas, imagino que deva ser muito agradável.”
Na verdade, a descrição de King acabou por pecar por defeito, uma vez que o surf, com o passar dos anos, acabaria por demonstrar ser muito mais do que apenas “agradável”. A paixão pela arte de cavalgar as ondas é tão viciante que, à sua volta, surgiu toda uma cultura, com a sua própria linguagem, os seus mitos, as suas canções, a sua forma de vestir, os seus filmes e, claro, os seus heróis. Axi Muniain é, sem dúvida, um deles, precisamente porque nunca pôs de lado o tal risco de que falava James King há mais de dois séculos. Muniain esteve já por diversas vezes perto da morte, porque a sua é uma paixão perigosa: dedica-se a surfar as ondas mais difíceis do planeta. Dentro deste ranking, talvez a mais monstruosa de todas seja a da Nazaré, famosa em todo o mundo e apenas ao alcance dos surfistas mais experientes, pois quem se atreve a lançar a prancha à água junto a esta vila portuguesa está a arriscar a vida: “A Nazaré podia ser o Coliseu romano de qualquer gladiador”, afirma Munian. “Isto é particularmente verdade no que toca à dedicação, à alma e à entrega que cada surfista coloca na hora de tentar apanhar uma onda com as dimensões das que existem aqui.”
O segredo da formação destas ondas gigantes está no fundo do mar da zona, pois na Nazaré há um canhão subaquático com 230 quilómetros de comprimento e até cinco de profundidade que, aliado aos fortes ventos do Atlântico, faz com que o mar se erga como um muro gigante. Felizmente, agora, os surfistas não enfrentam o oceano de peito descoberto, como faziam os longínquos habitantes do Havai. Agora, os surfistas contam com a ajuda de oceanógrafos como João Vitorino (do Instituto Hidrográfico de Portugal) que, com as suas previsões, antecipam qual o melhor momento para se lançar à água. E contam ainda com novos equipamentos tecnologicamente avançados, como o colete de impacto, que não só permite maior flutuabilidade, como também protege contra os impactos: “Muitos de nós não temos a noção de quantas vezes este colete nos salvou a vida”, garante Muniain, que acrescenta ainda que, graças a este tipo de tecnologia, podem agora enfrentar ondas que, até há muito pouco tempo, eram impossíveis de alcançar, mesmo para os melhores.
Texto: José L. Álvarez Cedena
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